segunda-feira, 18 de junho de 2012

Desesperada Vitalidade Matou Pasolini


Pier Paolo Pasolini, escritor, polemista, cineasta e dramaturgo considerado "o mais controverso intelectual italiano", selvagemente espancado até a morte, na noite de 2 de Novembro de 1975, no areal de Ostia (Roma), em circunstâncias nunca bem esclarecidas num processo dúbio. Recentemente, foi pedida a impugnação da sentença de 1976, fixada em 1979, na versão do massacre perpetrado por uma só pessoa - que fizera arrumar o crime na gaveta do engate homossexual -, e reaberto o processo, perante novos dados. Assumiu-se como "parte ofendida" o município romano, liderado pela coligação DS/Unione, a que preside Walter Veltroni, ex- -ministro da Cultura.
"Pier Paolo Pasolini teria hoje mais de 80 anos e seria interessante saber o que pensava ele das questões políticas e sociais dos nossos dias. Não se pode, porque o assassinaram há 30 anos." Esta afirmação - referida ao controverso criador e interventor no campo artístico, literário, social e político, comunista expulso do PCI, incómodo para todos - pontua Morte di un Poeta(Morte dum Poeta), de Carlo Lucarelli, emitido em Outubro pela estação de TV italiana RAI 3. Uma grande reportagem de investigação.
Décadas após ter cumprido uma pena de seis anos, participando num reality show, Pino Pelosi, único acusado e condenado pelo crime, sendo então um prostituto de 17 anos, desdizia o que repetira cinco vezes. Preso a conduzir o Alfa 2000 de Pasolini e com o seu anel de rubi no dedo, Pelosi, após ter esmagado com as rodas, várias vezes, o cadáver do antes massacrado, mantivera que tinha reagido contra o homem a cujas exigências sexuais não cedera. Depois, declarava a sua inocência na morte do poeta - imputada a três "pessoas com sotaque do Sul, napolitanos ou calabreses" - e dizia-se vítima do terror, como a sua família, sob ameaças que já não tinha de temer.
Foi esse o ponto de partida para a reabertura do processo, visando reconstituição do crime, a englobar várias pontas soltas e testemunhas não ouvidas no julgamento presidido pelo juiz Alfredo Moro (irmão do dirigente democrata-cristão e primeiro-ministro Aldo Moro, vítima das Brigadas Vermelhas). Testemunhas tais como habitantes do bairro degradado próximo do local do crime, que sempre disseram ter visto mais pessoas e mais do que um carro; ou Sergio Citti, irmão do ator Franco Citti e colaborador de Pasolini, com a história do roubo, do armazém da Technicolor, de bobinas de Salò (obrigando a usar duplicados e cenas retiradas, na montagem do último filme do cineasta).
Segundo a tese desta parte, a pretexto de devolução das bobinas do filme, o realizador fora atraído a uma cilada que visava calar-lhe a voz lúcida e informada, cada vez mais incomoda para os interesses instalados - o que é patente no romance inacabado Petróleo e nas suas últimas crônicas para o diário Corriere della Sera. Citti e a atriz Laura Betti morreram. As vozes destes amigos do poeta e dirigentes da sua fundação e doutros denunciantes do julgamento-fantoche, tiveram enfim eco para que seja feita justiça. Reabilitação póstuma, que não traz de volta, porém, a voz polémica de Pasolini, silenciada para sempre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário