sábado, 30 de junho de 2012

Entrevista Com Ninetto Davoli, Ator Fundamental De Pasolini


Ninetto Davoli in una scena del film Cemento armato

Ator fundamental de Pasolini, Ninetto Davoli foi a Portugal para acompanhar o ciclo que a Cinemateca, em Lisboa, dedicou ao autor de "Saló, ou os 120 de Sodoma". O intérprete considera que o cineasta foi uma figura absolutamente ímpar no mundo.

Existe alguém no cinema atual com o mesmo espírito e caráter de Pier Paolo Pasolini?

Honestamente, nunca encontrei ninguém -e seguramente que nunca mais vou encontrar. Ele tinha um caráter e uma forma de fazer muito sua. Não há ninguém, nenhum artista, que se possa assemelhar ao Pier Paolo. Não creio que possa existir. Era alguém com uma capacidade de expressão aberta. Penso que não há, hoje, nenhum escritor, nenhum poeta, nenhum realizador, com a coragem de "pegar o boi pelos cornos", como se diz em Roma, de enfrentar as coisas com a vitalidade e com a agressividade de Pasolini. Hoje, mesmo no âmbito artístico, as pessoas estão muito condicionadas pelo sistema, deixam-se envolver por certos compromissos - e Pasolini nunca os aceitou.

Passaram-se mais de 30 anos desde a morte de Pasolini. O mundo evoluiu num sentido que seguramente ele não gostaria. Seria possível ele viver e trabalhar no mundo de hoje?

Quando o Pier Paolo morreu, a primeira coisa que eu disse ao mundo inteiro, com raiva, porque tinha morrido um grande amigo, foi que, pelo seu modo de pensar, pela sua grandiosidade de poeta, de escritor, de artista, de realizador, não podia viver naquele mundo. Já nessa altura era uma personalidade que o mundo desprezava. Por maioria de razão, 30 anos passados, Pasolini não poderia viver no sistema de hoje. Já nessa altura, ele e a família dele, eu e a minha família, planejávamos ir viver no Marrocos. Era um país que segundo ele ainda não estava contaminado. Nessa altura ainda havia algo para contar. Hoje, ele poderia falar de quê?

Qual a importância da visão da obra dele para os jovens de hoje, enquanto seres humanos ou cinéfilos?

Para mim, o Pasolini ainda transmite muita coisa aos jovens, no sentido de que lhes dá a conhecer um mundo que nunca conheceram. É bom que os jovens conheçam a diferença entre o sistema que havia antes e o sistema em que vivem hoje. É muito importante, porque o mundo que o Pasolini representou, em quase todos os seus filmes, é um mundo totalmente fantástico, tão aberto, tão sincero, que os jovens de hoje não conhecem, não sabem como era a relação entre pessoas.

Como é que foi a reação das pessoas nas sessões em que esteve presente, em Lisboa?

Fiquei muito contente pelo fato dos jovens terem aproveitado a ocasião para encher as salas. Mas tenho de ser sincero, esperava honestamente que houvesse mais interesse por parte dos jornais, que dissessem mais alto que se estava a mostrar a obra completa do Pasolini aqui em Lisboa.

Já não é a primeira vez que vem a Portugal, antes esteve aqui fazendo uma peça com textos do Pasolini.

Quando estive aqui, há dez anos com esse espetáculo recordo-me que todas as noites a sala estava completamente cheia e as pessoas vinham ao camarim falar comigo . Também dei algumas conferências e vi que as pessoas nem queriam tradutor, preferiam ouvir-me falar e divertiam-se com as histórias. Eu também me divirto a contar histórias...

Conhecemos Pasolini através dos seus filmes. Do contato que teve com ele, diria que, enquanto pessoa, era diferente do que víamos na tela?

Não era diferente, era exatamente o mesmo. A relação que eu tinha com ele não era meramente profissional, era mais uma relação afetiva. Quando trabalhávamos juntos, era como se fosse uma brincadeira. Andávamos pela estrada à procura de histórias e de personagens, mas não o fazíamos como um trabalho - era um verdadeiro prazer.

O que diria que aprendeu mais com Pasolini?

Nós vivemos um período da nossa vida, da dele e da minha, que foi fantástico. Foi mesmo belo, cheio de entusiasmo. Os anos com o Pier Paolo foram muito intensos. Hoje, limito-me a dizer que fui não afortunado, mas sim super-afortunado de ter conhecido alguém como ele. Uma personagem como o Pasolini, só aparece a cada cem anos.

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