quinta-feira, 3 de maio de 2012

Os Ladrões, Edson Bueno

Kaley, Elder e Edson... já roubando! 

Há sempre um processo oculto, que nada tem a ver com o resultado final, quando se iniciam os ensaios de um espetáculo de teatro. Brincando sobre o tempo e a eternidade, é como se tudo já tivesse acontecido. E talvez seja mesmo verdade que em algum lugar tudo já aconteceu e estamos apenas obedecendo a naturalidade de pisar a tal linha do tempo. Quando o start é dado por um texto dramático pronto e finalizado, tudo caminha por uma trilha já percorrida e marcada e o processo de imaginar é orientado. Mas quando o start é dado por uma ideia ou um personagem (no nosso caso, Pier Paolo Pasolini), pode-se dizer que a tal trilha tem ainda que ser construída e a encenação do espetáculo confunde-se com essa construção. Mil e uma variantes vão interferir naquilo que um dia vai ser chamado de “espetáculo de teatro” e até um obstáculo, aparentemente intransponível, acaba deixando de sê-lo para fazer parte da narrativa. Nada pode ser desconsiderado, nem mesmo um delírio (de ator ou diretor) que surge assim, do nada, no meio de um tema aparentemente muito sério e que parece ser totalmente despropositado ou fora de lugar. Adoro as associações que acontecem na primeira parte dos ensaios, quando todos estão sentados em volta de uma mesa e a leitura em conjunto é o caminho. Não tenho dúvidas de que essas associações são uma conversa livre com o inconsciente, que perdido entre as palavras, se deixa falar livremente. É dessas associações que se fabrica a vida que estará presente no palco. É a partir dessas associações que o tema central vai se tornando orgânico, a ponto de tornar-se tão íntimo dos criadores que até se confunde com a própria criação. No nosso caso, ouso dizer que em algum momento, Pasolini será tão íntimo de nossos espíritos que se deixará ser nossa criação, como se nunca tivesse existido e a sua vida já acontecida fosse um exercício livre de ficção, presente apenas em nossa mente de criadores e que só se tornará realidade quando presente no palco. Pasolini será nosso e de mais ninguém. Nem dele próprio! Assim são os artistas de teatro: criadores de vidas que no fundo são ladrões de vidas. Roubam o que já existe para dar-lhes alma artística e sentido teatral. O que quer dizer isso? Permito-me um arroubo de arrogância! Picasso quando pintou “Guernica” roubou a batalha da vida e fez com que fosse dele, como arte, para sempre! Além da história, “Guernica” é, para a eternidade, uma criação de Pablo Picasso. Assim como Pasolini fez com Medéia, Édipo e Jesus Cristo, por exemplo. Tudo até pode parecer óbvio, mas é na ousadia do roubo e na dificuldade dele que se percebe que o óbvio não é tão óbvio assim. Iniciamos a nossa fase ladrona. Como nos filmes antigos, deixamos de ser heróis para sermos contraventores. Máscara no rosto, passos suaves de felino, luvas (para não deixar impressões digitais!) e saco nas costas, para roubar tudo o que for possível de ser carregado. Como todo roubo, nada é feito às claras e ao final dele, se não formos pegos com a boca na botija, dividiremos o que foi roubado. E então teremos a matéria prima para a nossa obra de arte. Nesse momento o roubo deixará de sê-lo, para tornar-se um arroubo e, perfeita ou imperfeita, a peça de teatro ganhará vida própria e será nossa enquanto o vento não carregá-la como faz com todo teatro. E se, no banco dos réus, algum juiz perguntar-nos, “Quem é Pier Paolo Pasolini?”, não teremos dúvidas em responder de imediato: “Pasolini, meritíssimo, somos nós!”

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