terça-feira, 1 de maio de 2012

Pasolini Entre As Artes




Edson Bueno
Tudo sempre volta. Eu tinha não mais que 18 anos quando entrei de gaiato no Cine Condor (que não existe mais como todos os cinemas de rua!) e desavisadamente dei de cara com “Teorema”, dirigido por um tal italiano chamado Pier Paolo Pasolini. Um filme complexo demais para minha pouca idade, mas também compreensível, pelo menos na superfície, para um piá que amava o cinema, mas estava a quilômetros do mundo das ideias. “Teorema” e sua complexidade política, moral e religiosa era um mistério pra mim, mas o seu deboche para com as convenções hipócritas do mundo burguês e civilizado já tocava fundo no meu coraçãozinho inquieto. Saí do cinema pensando o sexo, a beleza e o medo. A figura daquele pai transtornado, estacionando nu no meio da estação, ficou gravada na minha memória. O que Pasolini queria dizer que eu não compreendia? Era cedo para tanto, mas o poder das imagens e a simplicidade do cinema já eram compreensíveis. E quis saber quem era esse diretor tão provocador e original. Eu, que era filhote legítimo do cinema americano. Pasolini abriu pra mim as portas do cinema arte pura. Abriu as portas para a ousadia das temáticas e das imagens; abriu as portas do cinema europeu. Entre outras coisas, sem saber (e talvez sem pretender) me deu a certeza de que não estava sozinho no meio do universo; eu com as minhas dúvidas, ansiedades e temores. E de “Teorema” até “Saló” eu vi todo o Pasolini que me foi possível. E vivi, com tudo que pude, a sua história belissimamente artística e tragicamente humana com a intimidade de um amigo, companheiro e fã incondicional. Os anos passaram desde o dia em que, em plena Praça Generoso Marques abri um jornal e soube da notícia de sua morte; mas Pasolini permanece vivo em meu espírito, porque o que é profundo e consequente não nos abandona com facilidade. E ainda continua a espinhar as entranhas porque os mistérios nunca desvendados vivem em nossos sonhos e desejos, não nos dão sossego e nos incitam eternamente. Em algum momento esse mito, esse deus da loucura, esse farol da consciência, viria até mim para cobrar uma opinião. Chegou esse tempo, pelo desejo do Elder, de provocar-se com o artista, mistura de deus e demônio, de sátiro e ingênuo! Pasolini, por caminhos de paixão pelo perigoso e pelo artístico, resolveu dar as caras em minha vida. Chegou a hora de dar-lhe uma resposta de tanto amor e prazer, de tanta certeza de ter acompanhado sempre uma obra da qual nunca duvidei uma palavra ou um plano de cinema. Chegou a hora de voltar a Pasolini! E o melhor caminho é (eu que nunca dou a mínima para o passado!) voltando aos meus 18 aninhos e me imaginando (lembrando), ansioso e tonto, na fila do Cine Condor, comprando meu ingresso para ver um tal filme, que mudaria a minha visão da vida e do cinema. Mudaria não! Daria o start para a compreensão dela como algo tão escancarado, mas que pode muito bem ser uma prisão caso a soma de um mais um seja sempre dois! Pasolini, aqui estou eu! Nos conhecemos há mais de três décadas, que tal um passeio?  Pois vamos à viagem...!

Um comentário:

  1. Fiquei emocionado. É um prazer estar ao lado de pessoas com espírito e alma de artista. Bueno você é um mestre e tenho certeza que todos envolvidos nesse processo terão esse momento marcado em suas memórias. Com sonho, paixão e arte , assim entra Pasolini em nossas vidas. E desde já sou grato por ter a sorte de fazer teatro com pessoas que admiro na vida e na arte. A toda equipe e envolvidos bem vindos! Ao público boa Viagem o prazer será todo nosso!
    Ou melhor, de todos nós!!
    grato

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