quinta-feira, 17 de maio de 2012

Pasolini - Secretamente Homoerótico


No livro PIER PAOLO PASOLINI, de Maria Betânia Amoroso, nas páginas 36 e 37 há uma bela associação entre a cena final de “Mamma Roma”, em que o garoto Ettore está amarrado a uma mesa e prestes a morrer e a pintura “Cristo Morto”, de Andrea Mantegna (1430/1506) – Não é mais novidade que Pasolini inspirava-se em pinturas clássicas para compor seus quadros de cinema, mas a associação, de certa forma, disfarça uma outra força de imagem que não pode deixar de ser levada em consideração. O plano final de “Mamma Roma” é, claramente, erótico. Difícil de aceitar seu erotismo já que a circunstância dramática é violenta (o garoto está prestes a morrer e ainda é um adolescente) e a sequência é o martírio de um inocente diante de uma realidade social cruel e desumana. Ettore, por força da condição de vida é conduzido à marginalidade sem muita escolha e seu destino só poderia ser a morte, mesmo que, diante dela, não compreenda o seu por quê. O garoto está seminu e o centro do plano é seu órgão sexual, claramente uma opção de Pasolini. Impossível descolar o ativista comunista e político, com conteúdos fortes de anarquismo e denúncia social, do homem apaixonado pelos garotos. Já em “Accatone” eles estão lá, com suas sexualidades explícitas, em planos vigorosos e closes apaixonados. Quando penso no Pasolini dos seus dois primeiros filmes, sempre o imagino pequeno diante de um Rosselini (Roma Cidade Aberta) ou De Sica (Vítimas da Tormenta e Ladrões de Bicicletas). Só consigo descolar sua inquietação poética quando me deparo com planos secretamente homoeróticos (a calça justíssima de Ninneto Davoli em “Gaviões e Passarinhos) ou explicitamente eróticos, quase desrespeitosos com o conteúdo do filme, como o tal de “Mamma Roma”. A pulsão sexual é a originalidade de Pasolini quando o assunto é cinema, não tenho dúvidas. Tentar negar-lhe essa exclusividade é abrir mão do seu melhor pelo que ele tinha de mais comum. O Pasolini paradoxal que se permitiu libertar com a Trilogia do Amor e depois negou-a para fazer “Saló”, um mea culpa claríssimo (ainda mais que negou a Trilogia) é necessário no que ainda tem de revolucionário, no poeta de duas faces que, racionalmente, denuncia e se revolta com a exploração do homem pelo homem e ao mesmo tempo caça garotos de programas para levá-los a um terreno baldio e fazer sexo com eles. No hiato entre uma coisa e outra está a verdadeira obra desse grande artista e é nele que precisamos afundar para um espetáculo verdadeiramente sincero e digno do mestre.
Edson Bueno

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